sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Mais uma carta em busca de uma resposta

"Meu amor,
aqui te escrevo mais uma carta, que sei que nunca chegará ás tuas mãos. Esta vai ser apenas mais uma na minha estante perdida entre o monte de pó que a cobre.
Tenho saudades tuas, e agora sinto-as mais que nunca. Como poderei dizer? ... Fazes-me falta.
Abandonas-te o meu ser antes de eu poder dar uma ultima golfada de ar. Deixaste-me despedaçado e incompleto. Estou certamente sozinho. Apenas com as minhas inúteis e apaixonadas cartas.
Ainda tenho a tua fotografia na parede da sala, e todos os dias, quando saiu de casa, dou-te um beijo e desejo-te um bom dia. Gostaria que me retribuísses o beijo, ou que apenas o teu sorriso fosse mais real.
Continuo a lavar a tua roupa na esperança que venhas a meu encontro. Tenho frio durante a noite. Aquela cama grande é demais para mim. Era perfeita para os nossos dois corpos.
Espero que estejas bem no sitio onde estás. Tenho muitos nomes para esse sitio, mas espero que estejas mais feliz que eu.
Tenho falado com a Clara, e ela está a levar uma vida melhor que eu.
Continuo a fotografar, e no outro dia tive uma sessão fotográfica em Londres. Tentei espairecer, mas quando cheguei a casa e não te vi cá fiquei pior que um morto. A minha esperança foi pelo cano abaixo, como costumo dizer.
Estive a mexer nos nosso álbuns e decidi meter todas as fotos no meu escritório. Deu, de facto, um ar mais vivo aquele ninho de pó.
Ai onde estás não me podes mandar nem uma carta? ... Oh que parvoíce, é claro que não. Talvez tenham um outro modo de comunicação. Fogo, estou com tanto frio. Se calhar deixei outra vez a janela da varanda aberta. Aqui o tempo anda muito mal. Tem estado uma ventania louca. Hoje o chapéu de uma velhinha voou e bateu no vidro da frente dum carro, e este ia quase se estampando contra o semáforo. Espero que aí não faça tanto frio. Ou então agasalha-te bem. Ainda aqui tenho o teu casaco preferido. Aquele castanho com pelinho por dentro. Ficava-te demasiado bem. Ficavas mesmo bonita.
Continuo a por fotografias no meu fotoblog, mas agora apareço apenas eu e as minhas paisagens. Estou farto de dizer que foste-te embora repentinamente e me deixaste sozinho com a minha máquina fotográfica.
Ontem fui ao cemitério, e quando vi a ta campa, deitei as flores para o chão e fui-me embora a correr. Não, tu não morreste. Tu foste-te embora sem me avisares e deixaste-me sozinho e abandonado.
Sinto-me pobre.
Não tenho comido nada. Os teus cozinhados eram a única coisa capaz de me abrir o apetite.
O filho do André vai casar par o mês que vem. Pedi-lhe que reserva-se dois lugares para o copo de água. Insisti dizendo que te iria levar comigo. Ele apenas disse: "Sei que um dia irás passar isto. É só preciso respirar fundo e caminhar em frente". Cada vez que tento respirar fundo, o peito doí-me, e começo a ficar sem ar. Ultimamente tenho chorado bastante, e tenho passado a maior parte do tempo sentado na poltrona ao pé da janela da varanda. Já vi chover, já vi o granizo cair, já vi fazer sol e quase, quase que vi nevar.
Como vês, os meus dias sem ti são como uma praia sem sol, como um copo sem água, como um campo sem árvores ou mesmo como um jardim sem crianças.
Fazes-me demasiada falta. Não sei se aguento mais. Se não vieres, vou eu ao teu encontro. Tenho enchido a banheira e tento ficar mergulhado sem ar debaixo de água, mas parece que algo ou alguém me puxa para cima, e o ar enche de novo os meus pulmões. É mais forte que eu.
Hoje vou-te encontrar de novo. Nem que seja em mais um dos meus sonhos. Ou tentativa de sonhos...

Com muito amor e cheio de saudades,

Miguel"

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